O diploma que regula o pagamento das horas extraordinárias aos médicos é o Decreto-Lei 62/79, de 30 de Março, visto e aprovado em Conselho de Ministros de 10 de Janeiro de 1979 por Carlos Alberto da Mota Pinto, Manuel Jacinto Nunes e Acácio Pereira Magro e promulgado pelo Presidente da República António Ramalho Eanes.
Dizia-se logo no Art. 1º - “o regime de trabalho do pessoal hospitalar é o que vigora para a função pública, com as especificações estabelecidas no presente diploma.”
Era, portanto, aceite que o pessoal hospitalar tinha especificidades e que desse facto teria que resultar um processamento diferenciado de pagamento e de distribuição de horário, pois só um tolinho pensa que trabalhar de noite é o mesmo que trabalhar de dia, trabalhar 12 horas consecutivas é o mesmo que trabalhar 8 horas, trabalhar aos feriados, sábados e domingos, por períodos de 12 ou 24 horas, é o mesmo que trabalhar das 9 às 5 horas aos dias de semana. Acresce que até hoje não se soube premiar de outra forma a penosidade excepcional e a responsabilidade médica, intransmissível e especialmente em crise na Urgência.
Este regime de trabalho, criado antes do próprio SNS, antes de haver Centros de Saúde e ainda antes de haver carreira médica com o perfil actual (explícita com o DL 310/82, consolidada com o DL 73/90 e modernizada com o DL 177/99), sobreviveu aos tempos, aos regimes políticos, aos diferentes partidos, porque ninguém conseguiu, até hoje, construir modelo mais sério e mais equilibrado.
E sobreviveu porque o melhorado regime remuneratório era compensado com o que mais ninguém tinha: horas extra ao dispor da administração, 12 horas de trabalho extra consecutivas, horas extra obrigatórias, para além de qualquer limite racional, mesmo que espatifassem a família, o Natal, a festa da escola dos filhos ou o casamento.
Os Sindicatos Médicos também não inventaram nada em 2009, nem se aproveitaram do ambiente criado no decurso da contratação colectiva, pois os ACT em vigor têm transposto este regime e esta forma de pagamento, sem introdução de qualquer alteração ou melhoria. Inclusive estenderam este regime a todos os médicos, incluindo os médicos de família e os médicos em contrato individual de trabalho, num esforço sério de igualizar regimes de trabalho, de folgas e de retribuições acessórias a todos os médicos do SNS, independentemente de onde e em que regime trabalhassem.
Mas chegou a crise e a dependência financeira com imposição de regras pelos credores.
A leitura do famoso Memorando não nos deixou apreensivos.
O que se pedia, e bem, era a redução do volume de horas extra em 10% em 2011 e em mais 20% em 2012.
O que havia a fazer, com explícito apoio dos Sindicatos Médicos em reunião formal com o Ministro da Saúde, era a lógia e sempre adiada reorganização dos serviços de Urgência, integrando equipas, melhorando oferta em qualidade nas várias especialidades, mas diminuindo a dispersão, principalmente nas áreas metropolitanas. Tudo possível, tudo exequível, tudo fácil mas a precisar de um político e não de um contabilista.
A Proposta de Lei Orçamento de Estado para 2012 veio revelar que a intenção do Ministro da Saúde e do Governo era ir muito mais além, era mostrar-se empenhado em cortar mais, era mostrar-se dócil e bom aluno perante o credor, procedendo a um corte excepcionalmente duro para toda a Função Pública, mantendo, na maioria dos casos, a dízima mensal, confiscando subsídios de Natal e de Férias e, para os médicos, num ataque directo sem precedentes, impondo uma redução média de 50% no valor a pagar nas horas extra, ao mesmo tempo que cândida e hipocritamente, se deseja que os médicos se mantenham dóceis, ao dispor, pelo tempo que seja necessário, ignorando o esforço, a responsabilidade e a penosidade que está associada a este tipo de trabalho.
Do OE para 2012 retira-se, de essencial, nesta matéria:
- para o volume de horas corta-se nos mais fracos – nos Centros de Saúde e nas horas de atendimento deixando intocáveis os Hospitais.
- para complementar no desbaste, ataca-se o pagamento aos profissionais igualizando regimes e dizendo que os médicos terão que ser remunerados com os acréscimos que a todos se pagam mesmo que se exija aos médicos o que a ninguém se exige.
O Governo, principalmente os Ministros das Finanças e da Saúde tomaram opção consciente. Conheciam bem os danos colaterais da sua decisão.
A situação manteve-se na versão final aprovada no Parlamento e terá efeitos a partir de 1 de janeiro de 2012.
O SIM informou os senhores deputados do perigo e das consequências desta opção.
Sua Excelência o Presidente da República idem.
Ninguém mexeu uma palha, imbuídos numa racionalidade mediática e populista que manda atacar as corporações e os “privilégios” dos médicos.
Os médicos, embora contrariados, não assumiram queixa colectiva contra o brutal confisco das remunerações, a que já estão sujeitos desde Janeiro de 2011 e que se vai agravar brutalmente, em conjunto com um crescimento sem precedentes de todos os impostos directos e indirectos, porque era uma medida genérica, para todos os funcionários públicos.
O caso das horas extra é diferente.
Os médicos estão há anos a sustentar o SNS com o seu esforço e dedicação, muitas vezes com desprezo pela sua saúde e pela sua família.
Mas toleram muito mal a desconsideração e o ataque directo, injusto e injustificado.
Basta!
Neste cenário, aos médicos, através do seu Sindicato, só resta o inevitável: declarar greve a todas as horas extra.
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