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Sindicato Independente dos Médicos

Ditadura dos computadores no Alentejo profundo

23 abril 2015

Hoje bati um recorde pessoal do qual me envergonho. 

Durante toda a consulta não olhei para o doente. 

Quando entrou estava de lado a falar ao telefone com uma Administrativa por causa de uma autorização qualquer. 

Quando acabei olhei para o PC para ver o nome do doente e disse, bom dia senhor João X, vem saber o resultado das suas análises. Sim. 

Saio do ex-SAM e queria entrar noutro servidor qualquer para saber os resultados. Estava em baixo. Virei-me para o lado para telefonar para uma Administrativa para ligar para os informáticos e dizer que o sistema estava em baixo. Quando ia olhar para o doente diz-me ele, também é para renovar as receitas, está bem, saio do ex-SAM e entro noutro servidor do PEM umas dezenas de segundos depois, sem olhar para a frente. Quando se abriu, não abriu a terapêutica crônica. Leio alto as prescrições para o doente confirmar se está a tomar ou não. Vai respondendo. Começo a imprimir mas a impressora para por falta de papel. Rodo 180 graus, fico de costas para o doente e abro uma resma de papel e coloco-o na impressora HP que está a um nível inferior olhando para baixo. Aguardo a impressão e dou uma vista de olhos no ex-SAM, fechando e abrindo as janelas da frente para trás e vice-versa para percorrer os diversos programas das patologias do doente. E confirmar se está tudo como a Administração quer para não ser penalizado e ter bons indicadores. Levanto as três vias das receitas e coloco-as no tampo da secretária olhando cabisbaixo e assinando as mesmas. 

Quando está quase tudo pronto e finalmente começo a desviar o olhar para a frente pois tinha uns segunditos para olhar para o doente, ainda antes dos nossos olhos se cruzarem batem à porta e entra um enfermeiro afogueado, os meus olhos viram-se rápidos e passam velozes pelos olhos do doente (pareceu-me que era o senhor João) e param nos olhos do enfermeiro ansioso. Sr. Dr. está o senhor X com a filha que diz que foi atropelado e tem uma ferida junto ao anus. Como é seu doente e não sei onde acaba a ferida e agora não há SAP, se o pudesse ver para saber se vai ou não para o Hospital... Levanto-me estendo a mão de lado e cumprimento o senhor João olhando para o enfermeiro. Sim consegui tocá-lo mas não o vi.

E diz-me ele. Vá senhor doutor vá. Ainda bem que agora os computadores têm tudo e fazem tudo. Poupam trabalho.

Só lhe respondi Pois é, pois é, afastando-me e saindo do consultório. 

Isto não é ficção. 

Conhecem a nova rede social Periscope? 

Vai ser o nosso futuro: fico on-line em tempo real para os doentes que quiserem, mas não os vejo. Eles teclam no computador e eu vou respondendo aos 10, 20 ou 30 ao mesmo tempo. 

Assim a Administração fica contente e satisfeita. 

Medicina Geral e Familiar? Foi...

(Artigo de Opinião de um Médico de Família)

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