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Sindicato Independente dos Médicos

Expresso: COVID-19. “Se começar a correr mal, não vai haver responsabilidade política, as pessoas é que se terão portado mal”

24 junho 2020
Expresso: COVID-19. “Se começar a correr mal, não vai haver responsabilidade política, as pessoas é que se terão portado mal”
Expresso, 24 junho 2020, Christiana Martins

Esta sexta-feira Roberto Roncon vai finalmente de férias. Depois de três meses de trabalho ininterrupto, vai ter quatro dias com a família. Coordenador do Centro de Referência de ECMO do Centro Hospitalar Universitário de São João, o médico já sabe o que vai fazer: dormir e jogar ténis. Não se queixa da intensidade do trabalho, diz que fez o que achou que devia fazer. Mas queixa-se da "inabilidade política" em não perceber que ignorar a dedicação e a qualidade do trabalho dos profissionais de saúde pode ter um grande custo no futuro. Reivindica respeito.

Era natural os profissionais terem medo. Alguma vez susteve a respiração?
Não, eu tinha uma enorme vantagem: tinha um plano pelo qual lutei muito. Tive a ajuda de anestesistas de outros serviços, que não eram intensivistas e por isso não eram médicos autónomos, mas eu estava todos os dias com eles.

Todos os dias?
Sim, trabalhei durante três meses todos os dias. Fiz o que achei que devia fazer.

Não teve folgas?
Não.

Se houver uma segunda vaga, vão continuar a aplicar este método que deu resultados positivos?
Está a fazer-me uma pergunta muito difícil. Vou responder apenas por mim, nem pela minha equipa, nem pelo hospital. Tem havido aqui um grande problema de sensibilidade, de bom senso até. As três grandes figuras do Estado português reuniram-se para celebrar a vinda de uma competição desportiva para Portugal e o primeiro-ministro disse que era um prémio para os profissionais de saúde. Não foi dito com má fé, mas é de uma infelicidade total. E não pediu desculpas, o que dói mais. Dois dias depois, foi o Dia Nacional do Médico e ninguém se reuniu. Na Alemanha vão aumentar o salário dos médicos, em França dar um prémio. Garanto-lhe que o que fiz não foi para ganhar uma medalha, ter mais dinheiro ou para ter um prémio, mas as pessoas também precisam de coisas simbólicas. Porque não dão aos médicos e enfermeiros que estiveram na linha da frente um dia de férias? O dinheiro não é tudo, mas estamos tão cansados que tenho algum receio que toda a energia e boa vontade que tivémos na primeira vaga possa não existir na segunda. Porque na verdade, a comunicação destes poderes tem sido calamitosa. Aquelas conferências de imprensa diárias são calamitosas. E o primeiro-ministro perdeu uma boa oportunidade para estar calado.

O que sentiu quando a ministra da Saúde disse que o medo era o nosso maior inimigo?
A ministra tem um problema enorme de empatia com as pessoas. Não acho que um ministro tenha de ser médico, mas nestas alturas nota-se mais a falta de contato humano. As conferências de imprensa caíram um bocado em descrédito porque no início não era preciso máscara, depois era. Fiquem em casa, depois saiam. Em grande medida, o que eu tenho aqui na minha unidade é o que não está a funcionar nestas conferências de imprensa. Neste momento estão a ser uma oportunidade perdida. E se começar a correr mal, não vai haver responsabilidade política, as pessoas é que se terão portado mal.

Assistindo ao atual aumento de casos e pensando no inverno, o plano será o mesmo?
O inverno preocupa-me. Nós estamos cansados, foi de uma violência atroz, e não estamos a ver no poder político o reconhecimento - e não estou a falar de dinheiro ou a falar só por mim. A frase do primeiro-ministro foi de uma infelicidade enorme e foi dita por um arauto do SNS. O cinismo é pior do que a hipocrisia. Dizer que o SNS é muito importante mas fazer declarações que dão a entender que o nós fizemos não foi mais do que a nossa obrigação não é verdade. O que nós fizemos não é normal, está para lá do que é previsível. O que nós estávamos à espera era de um mínimo reconhecimento. Por exemplo, eu gostava que a minha unidade tivesse um vestiário. De ao fim de 15 anos de especialidade poder ter uma carreira. É isso que nós queremos, não queremos medalhas. Aquelas declarações do Dr. António Costa custam, representam um virar de página, como alguém que já está noutra onda. Mas se calhar, é um bocadinho cedo para virar a página. Nós estamos cansados, é verdade, o inverno vai ser difícil, o SNS não passou a estar bem, eu continuo com dificuldades para várias coisas básicas.

Artigo completo em Expresso.

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