Política de Cookies

Este site utiliza Cookies. Ao navegar, está a consentir o seu uso.Saiba mais

Compreendi
aa

Sindicato Independente dos Médicos

Jornal i: SIM avisa que insatisfação é crescente

23 julho 2021
Jornal i: SIM avisa que insatisfação é crescente
Jornal i, 23 julho 2021, Marta F. Reis

Secretário-geral do SIM avisa que a insatisfação é crescente e movimentos inorgânicos "andam aí”. Acusa a tutela de abandonar os doentes, com menos acesso à saude

À frente do Sindicato Independente dos Médicos desde 2012, Jorge Roque da Cunha, recentemente eleito para um mandato de mais três anos, tem sido uma das vozes críticas da gestão da pandemia e dá o murro na mesa: acusa a ministra da Saúde de autoritarismo e de estar a abandonar os doentes por falta de humildade em reconhecer as dificuldades. Médico de família em Camarate, traça o diagnóstico também a partir da consulta, onde diz estarem a chegar mais doentes descompensados. Sem diálogo com sindicatos e com uma insatisfação crescente, está a criar-se terreno para movimentos inorgânicos que querem "greves selvagens”, avisa. Continua a militar no PSD, mas diz não ter planos para voltar à vida partidária ativa e assume também essa crítica: "Uma melhor Oposição faz sempre melhores Governos”.

Despindo o fato de dirigente sindical e vestindo a bata de médico, o que tem custado mais neste ano e meio?
O que custou mais foi sentir que os doentes têm mais dificuldades quer no acesso aos cuidados de saúde primários quer nos cuidados hospitalares. Neste momento as pessoas mais desfavorecidas têm mais doenças, estão menos controladas, estão mais desesperadas.

Na sua USF, pensando em 10 doentes, o que vê num dia de consultas?
Pessoas com situações de diabetes descontroladas, hipertensões descontroladas. Vemos muitíssimo mais ansiedade e casos de identificação de carcinomas mais tarde. E aqui eu, como médico, responsabilizo a senhora ministra da Saúde por estar a retirar saúde aos portugueses. Retira saúde aos portugueses ao retirar médicos dos centros de saúde. Neste momento temos cerca de mil médicos em áreas dedicadas à covid-19, cerca de 400 médicos dedicados à vacinação e grosso modo cerca de 100 médicos dedicados aos telefonemas de vigilância de doentes com covid-19. Estamos a falar de cerca de 1500 médicos que todos os dias são retirados aos centros de saúde.

Cerca de 1500 médicos num universo de 5 mil médicos de família no país?
Sim. Significa que cerca de um quarto dos portugueses, três milhões de portugueses, todos os dias não têm médico de família disponível. Claro que não são sempre os mesmos.

A que acrescem os que ainda não têm médico atribuído.
Que são cerca de um milhão. E ainda há umas centenas de milhares que não têm médico transitoriamente, porque as pessoas estão de doentes, ou de licença de maternidade, o que corresponde a 250 mil portugueses diariamente. E portanto considero que tem havido incapacidade de gestão da ministra da Saúde.

O que podia ter sido feito de diferente?
Era fundamental que houvesse verdade. Que se reconhecesse que, em 2019, o SNS estava já no limite. Aos cortes no tempo da troika vieram acrescentar-se as cativações do Dr. Centeno. Durante o consulado do Dr. Centeno houve menos investimento no SNS. São dados do Tribunal de Contas: entre 2012 e 2014, 26,3 mil milhões de euros. Entre 2015 e 2017, 24,7 mil milhões. Sendo que pelo meio houve o regresso às 35 horas de trabalho, que se traduziu em mais custos. Não houve investimento durante a troika e não houve investimento no pós-troika. A circunstância de haver uma pandemia devia ter obrigado o Governo a ter uma atitude que não teve, que era ser sério com os portugueses e não pôr os departamentos de comunicação a gerir a pandemia. Inicialmente, e mesmo hoje, a pandemia é fundamentalmente gerida pelos departamentos de comunicação do primeiro-ministro e da ministra da Saúde.

Vê isso no quê?
Era uma "gripezinha”, não ia acontecer nada, as máscaras eram uma falsa sensação de segurança. Quando os números começavam a baixar um pouco, era um grande sucesso de Portugal, era a bola de Berlim na praia, eram os bandidos dos ingleses que não vinham cá... Toda a mensagem é no sentido de desvalorizar o problema. Lembro-me de nessa altura mesmo amigos meus me chamarem profeta da desgraça.

Teve sempre uma postura muito crítica ao longo destes meses.
Tive sempre essa atitude porque não conhecendo o vírus, sabendo que é um vírus muito imprevisível... temos que ter o maior dos cuidados. Principalmente na mensagem que damos às pessoas.

Acha que a mensagem tem sido o principal problema?
Para além da mensagem, a incapacidade de organização de todo o sistema. Por exemplo, não percebo como é que naquele tempo entre a primeira e a segunda vaga, o ministério da Saúde permanentemente dizia que o SNS estava preparado para receber a segunda vaga. Nem sequer sabíamos a dimensão. Viu-se o que é que aconteceu. Se é verdade que em termos de ventiladores e cuidados intensivos estamos melhores – precisamos de gente – em tudo o resto estamos pior. Em relação à situação que nós já sabíamos que era difícil e que foi agravada pela pandemia, tivemos o Ministério da Saúde só preocupado com a sua imagem e com denegação

Em que áreas se está pior?
O Governo sabe que nestes anos se vão reformar cerca de 1500 médicos de família e cerca de 1800 médicos hospitalares. Qual é a resposta? Anuncia um concurso para contratar 490 médicos de família, quando sabe que, nos últimos três anos, nos concursos que abriram, mais de um terço das vagas ficaram por preencher. Isto não é resposta, é denegação. Da mesma forma que hoje quando o Ministério da Saúde diz que tem mais médicos, é mentira, é falso. Basta ir aos hospitais. As equipas das urgências estão no limite, há listas de espera mesmo havendo menor acesso, os centros de saúde estão a fechar mais cedo.

Não estão com horários alargados para recuperar atividade?
É impossível isso acontecer num centro de saúde que tenha enfermeiros, administrativos e médicos que têm de ir para a vacinação, que têm de ir para as áreas dedicadas à covid-19, que têm de ver emails e dar resposta.

Esta semana, uma Unidade de Saúde Familiar de Vila Franca de Xira fez uma publicação no Facebook a informar os utentes de que não têm pessoal suficiente e já não dá para disfarçar. Têm muitos relatos destes?
Isso é uma situação que acontece em todo o país. O Ministério da Saúde sabe que, ao desviar profissionais para outras atividades, está a diminuir a resposta. E por isso eu responsabilizo a senhora Ministra da Saúde pelas complicações de saúde, da diabetes. Vai haver pessoas cegas mais cedo, vai haver amputações mais cedo, vai haver mais acidentes vasculares cerebrais, vai haver cancros mais graves a chegarem aos hospitais. Vai haver mais mortes. E sabendo o que sabe, o Ministério da Saúde a única coisa que faz é dizer publicamente que tem mais profissionais.

O Ministério da Saúde tem reconhecido também que há problemas crónicos e que seria difícil resolvê-los num ano pandémico.
Daí o reforço da minha crítica. Sabendo dessa limitação, sabendo dessa dificuldade, a obrigação de um Governo responsável era dizer a verdade e dizer que era necessário mais em termos de investimento, contratarmos profissionais. Não compreendo por que não contrata profissionais para a vacinação e para as áreas dedicadas à covid. Não compreendo.

Existem profissionais de saúde disponíveis para não ter de utilizar os recursos dos centros de saúde?
Claro que há. Para estas funções ligadas à vacinação e vigilância de doentes, há bolsas de voluntários que a própria Ordem dos Médicos fez e que não foram utilizadas... Outra opção seria responder a uma disponibilidade demonstrada por exemplo pelo dr. Fernando Araújo, que garante que no fim-de-semana o Hospital de São João pode participar na campanha de vacinação. Os hospitais tinham de estar incluídos no programa de vacinação e estão disponíveis.

Leia a entrevista na íntegra na edição impressa do Jornal i.
Horas ExtraCalculadora

Torne-se sócio

Vantagens em ser sócio