Simedicos recebeu um desabafo de um Médico de Família o qual, com a necessária confidencialidade, reproduzimos na íntegra:
A exigência de contratualização em Cuidados de Saúde Primários segundo indicadores de desempenho nas USF's - e agora também aplicados às UCSP's – leva a que, em última análise, o atendimento dos *doentes* possa ser feito por médicos que têm um conflito de interesse entre decidir o que é melhor para a situação concreta daquele *doente*, ou ver afectada a componente variável da remuneração, para não falar na repercussão sobre a avaliação de desempenho-SIADAP e uma hipotética progressão remuneratória.
Quem controla a "criação" e a validação de indicadores que manipulam diretamente a forma como tratamos os *doentes*? Por exemplo:
- "número de fármacos" que os idosos tomam acima dos 75 anos;
- tecto de gastos com medicamentos, fisioterapia e meios complementares de diagnóstico (e como se "adivinha" para cada população o valor? Com base em quê? E o que vai acontecer aos doentes que têm alta precoce do internamento ou da consulta externa hospitalares, enviados para "continuar tratamentos na área de residência" e com medicação continuada que a maior parte das vezes ignora simplesmente toda e qualquer Norma de Orientação Clínica?);
- coisas absurdas como taxas de vacinação de crianças perto dos 100%, num momento em que os casais jovens com filhos estão emigrados grande parte do ano laboral (telefonamos para Paris para saber se as crianças estão vacinadas???);
- percentagem de utentes que "aderem" aos programas de vigilância: passamos a ser capatazes e obrigamos as pessoas a aderir?? Mesmo que não queiram?? Os cidadãos deixam de ter opção de decidir em causa própria?
Tudo isto é cada vez mais estranho: sinto-me a mergulhar num país em ditadura mole e a colaborar no arrebanhar da população!
Passamos, nós Médicos, a estar sujeitos à prática de uma “Medicina dos Indicadores e dos Registos”, à observância de Normas de Orientação Clinica (NOC's) para tudo e alguma coisa, libertadas em rajada e perturbadoras, por mais bem-vindas e necessárias que elas sejam, a ter que trabalhar com aplicações informáticas múltiplas em computadores cujo hardware está antiquado e não é passível de actualização, a regermo-nos por anglicismos gestionários de que é exemplo o recente e sonante clusters…
Tem a palavra, mais uma vez, a Ordem dos Médicos. Como defensora da qualidade do exercício técnico da Medicina e como Provedora dos doentes.
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